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quinta, 26 de agosto de 2010

Geoparque não trata só de pedras...

Geoparque não trata só de pedras e sim de pessoas. Num geoparque busca-se o espírito do lugar.

Por iniciativa e organização do Governo de Estado do Ceará ocorrreu o Seminário Internacional sobre Geoparks e Geoturismo em Fortaleza (CE) nos dias 13 e 14 de novembro de 2008, como preparação da Reunião Panamericana sobre Geoparks da UNESCO com previsão de acontecer no Cariri (CE) no final de 2009 ou início de 2010.

Infelizmente só participei do primeiro dia, pois tinha que estar de volta na sexta-feira.
O seminário contou, em sua abertura, com a participação do Governador Cid Ferreira Gomes, o que implicou em grande cobertura pela imprensa local (ver http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=589508). Foi interessante, porque o governador destacou a importância do geopark, mas foi mais importante porque os membros da Rede Européia de Geoparks presentes ( Armindo Jacinto - Diretor do Geopark Naturtejo-Portugal e Rosaria Modica - Geopark Madonie - Itália) ressaltaram a responsabilidade do sucesso do Geopark Araripe no processo de criação de outros geoparks, não só no Brasil como nas américas.

Das várias apresentações que aconteceram no primeiro dia, destaco as informações abaixo, como forma de amadurecer o entendimento desse conceito ainda novo no Brasil.

O conceito de geopark é importante por vários motivos, mas acho que um dos mais importantes é a possibilidade de se trabalhar em rede, nesse sentido, é bom apresentar que a Rede Européia foi criada em 2000 com a participação de 4 países (Espanha, França, Alemanha e Grécia), com o objetivo inicial de proteção do Patrimônio Geológico. Após 8 anos, já são 33 geoparques em 13 países europeus, isso para mostrar a rápida disseminação do conceito.


Estromatólitos de Morraria do Sul - estruturas formadas pela ação de cianobactérias (seres filamentosos microscópicos) por volta de 560 milhões de anos atrás. Foto: Paulo Boggiani

Através da rede, tem sido possível estabelecer intercâmbio entre instituições científicas e de gestão de geoparks, promoção internacional do "Geopark Week", quando todos geoparks da rede fazem eventos integrados para divulgação mútua, intercâmbio de jovens estudantes e troca de "idéias" bem sucedidas. No escritório, ou local de visitação de um geoparque, há sempre um "cantinho" (Geopark corner) para divulgação dos outros geoparks - o que demonstra bem a "alma" de uma rede, onde se busca sempre a ajuda mútua, a exemplo do que estamos vendo com o Geopark Araripe, como referência para os demais geoparks em estruturação no Brasil.
Na apresentação da Rosaria Modica do Geoparke Madonie (Itália), da  Rede Global de Geopark e representando a Margaret Patzak, secretária da Rede Global de Geoparks, foi destacado novamente ser fundamental a colaboração entre geoparques, e a questão da avaliação. Os geoparks são avaliados a cada 4 anos por 2 membros de outros geoparks. Nessa avaliação são considerados: geologia e paisagem, geoturismo, gerenciamento, informação e educação e impacto (positivo) sobre o desenvolvimento local. Em 2004, foram avaliados 12 geoparques, sete melhoram (e receberam o cartão verde), quatro foram convidados para melhorar (cartão amarelo), e foram avaliados após 2 anos, e um geopark foi expulso da rede (cartão vermelho) por não participar ativamente da vida da rede européia de geoparks.

Em sua apresentação, Rosaria destacou o fato de "Sempre trabalhar com as comunidades locais para o desenvolvimento econômico e social sustentável dos territórios".

No Geopark Madonie na Sicília (Itália) estão tentando, com o geopark, reverter o processo de migração das pessoas para as cidades e procuram gerar empregos principalmente para os jovens . Estão redescobrindo as profissões ligadas à geologia, como os “homens da neve”, que coletavam neve no inverno para armazenar e vender no verão para as geladeiras e as antigas minas de sal estão sendo abertas para visitação. Foi colocada a importância da Itália como patrimônio de sabores e que a geologia não é atrativa se não conjugada com outros valores, por isso foram estabelecidos roteiros de geo&geo, geo&sabores, geo&arte e geo&artesanato.
Ficou muito claro a importância do estabelecimento de vários roteiros, com diferentes interesses, em um geoparque.

Outra frase muito repetida no seminário foi a de "Geopark não trata só de pedras, mas também (principalmente) de pessoas", foi colocado sempre que é fundamental que as pessoas estejam envolvidas.

Outro conceito importante é que através do geoturismo em geoparks busca-se o "espírito do lugar", em latin "genius loci".
 
Foi realizada a apresentação do Armindo Jacinto, presidente do Geopark Naturtejo, a qual é uma empresa estatal intermunicipal, o que vem a ser um modelo interessante de gestão para o caso do Geoparque Serra da Bodoquena-Pantanal, que abrange diversos municípios em Mato Grosso do Sul, onde a geologia passa a ser um elemento de integração territorial.

Em sua apresentação, destacou que num geopark não se quer "vender" rotas turísticas" ou "rotas científicas" e sim emoções.

Apliquei a idéia no fim-de-semana seguinte ao evento, em aula de campo com alunos da Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental do Instituto de Geociências (USP). Perguntei aos monitores ambientais do PETAR - Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira, o que eles faziam, e nenhum apresentou dessa forma, mas ao final da atividade, após dois dias, todos concordaram que o que receberam foram experiências de emoção, mais do que conhecimento.
Armindo apresentou dados que demonstram que ocorre crescimento do turismo a taxas de 2 a 3% ao ano, e que o "turismo de emoção" apresenta crescimento de 5 a 7 %.

Na apresentação do Geopark Naturtejo, foi destacado o estabelecimento de rotas de visitação. Assim existe a Rota dos Fósseis, a Rota da Arte Rupestre, a Rota de Observação de Aves. Por fim, demonstrou que estão trabalhando com o Geopark Naturtejo para desmontar a tradição de em Portugal conhecer apenas Algarve - até usou a frase "esqueça o clichê de Algarve", outro argumento para se conhecer Naturtejo é a estrutura hoteleira disponível a preços mais baixos e que, com o Geopark, tem-se por objetivo divulgar o conjunto de estruturas hoteleiras, e não apenas um hotel, com benéfícios para todos.

Ocorreu, entre outras, a apresentação da Candace Slater, pesquisadora em Linguística da Universidade da California, a qual chamou a atenção para a necessidade de uso das narrativas populares como estratégia de divulgação do geopark, e acho que seria importante incluir isso no dossiê em elaboração para criação de novos geoparques. Ela destacou que as pessoas prestam mais atenção em textos que têm a ver com sua cultura.

Outros aspectos apontados foi o de "senso do lugar", que vem no sentido de "genius loci" apresentado pela Rosaria, como a necessidade de se mostrar a identidade do local e educar residentes e visitantes sobre o valor exclusivo da localidade, na contra-mão da cultura de shopping center que temos visto na maioria das localidades turísticas.

Outra importância dos geoparks, além da marca de prestígio do selo da UNESCO, é a certificação de produtos, e para o destaque para que esses produtos tenham qualidade.

Outro aspecto que chamou a atenção é a profusão do uso do prefixo "geo", é Hotel do Geopark, georestaurante, geo-menu, ao ponto que os membros da organização passaram a brincar que precisavam de um geofavor, dar um georrecado, tomar um geocafé...

É incrível como as pessoas ficam maravilhadas com o conceito de Geoparque, principalmente quem não é da área de geociências, como colocado pela Marília Gouveia, Ténica em Desenvolvimento Territorial do Projeto Cidades do Ceará Cariri Central, que ao conhecer a proposta, não há como não se encantar. Por outro lado, espanta ainda a falta de interesse dos geólogos pelo tema. Os arquitetos estão se envolvendo cada vez mais, há alguns geógrafos, mas acho que no seminário havia apenas quatro geólogos. Não se percebeu ainda a importância dos geoparques como estratégia de divulgação e implementação de projetos educacionais entre os geólogos, apesar de muito se falar na necessidade de se mostrar a importância da geologia, principalmente o uso dos recursos minerais, para a Sociedade.

No evento, ocorreu o lançamento do livro Geopark Araripe: uma pequena história da evolução da vida, das rochas e dos continentes, de André Herzog, Alexandre Sales e Gero Hillmer. Gero Hillmer, pesquisador da Universidade de Hamburgo (Alemanha) foi o responsável pela introdução do conceito de geopark no Brasil e grande incentivador e responsável pela criação do Geopark Araripe, que contou também com o trabalho de André Herzog e Alexandre Sales, esses dois, infelizmente, não puderam participar do evento mas foram constantemente lembrados da importância que tiveram em todo o processo.

Texto originalmente escrito para coluna no Portal Bonito em 19/11/2008.

COLUNISTA

Paulo Boggiani

boggiani@portalbonito.com.br

Paulo César Boggiani, Geólogo formado e com doutorado pela Universidade de São Paulo, foi professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Diretor Científico da FUNDECT - Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul. Atualmente é professor do Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geociências da USP. Foi o coordenador do primeiro curso de formação de guias de turismo de Bonito.

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