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KADIWÉUS - TRÊS LENDAS KADIWÉU

 Lenda: Criação e Erro

Lenda narrada em kadiwéu por Alfredo Chuvarada e traduzida por Ambrósio da Silva.

Quando Deus começou a criar o mundo, principiou pelas árvores. Ele plantou, de início, o tarumã, a paineira, a aroeira, a peroba e outras árvores.

Findo o momento da primeira criação, Deus imaginou que estas árvores não servissem para serem transformadas em pessoas, pois não se moviam, fixas ficavam no espaço. Então, o Criador desistiu de sua intenção, embora as árvores possuíssem feição e cabelos humanos.

Destruiu-se, assim, a primeira geração, restando, como herança, o capim, cabelos das árvores.

Passaram a ser criadas as aves.

Foram chamados o joão-grande, o corvo, o gavião penacho, a ema e outras aves. Cada ave foi observada, para verificar sua ambientação na terra. As aves não possuíam penas, somente pele. Elas conversavam entre si, num igual idioma.

Certo dia, o caranchó perguntou ao Criador:

- Como pode um pássaro de três dedos se transformar em ser humano? Isto é muito interessante!

- Tudo tem o seu tempo, respondeu o Senhor.

A nossa história diz que Deus mandou uma grande chuva e quando as águas cessaram, as aves da primeira geração haviam desaparecido, restando unicamente as da segunda geração.

Fez então Deus uma plantação de mandioca, melancia e outras espécies.

Todavia, apareceram os ladrões agindo à noite - naquele tempo já havia erro - sem serem capturados. Resolveu Deus colocar um guarda. A escolha recaiu sobre a coruja. Ela cantou a noite toda, mas, de madrugada, adormeceu, e a plantação novamente foi saqueada.

No dia seguinte, o carão foi vigiar a roça, cantando noite afora. Nesse entretempo, Deus ordenou à avestruz que coletasse caramujos para o carão saborear, após o turno de ronda. Enchesse um baquité para presentear o vigilante.

Ao clarear o dia, os ladrões apareceram, e o carão principiou a gritar. Apareceu o Criador e o carão o informou onde se encontravam os ladrões. Estavam eles escondidos em um enorme buraco.

Deus imaginou um meio de desalojá-los. O carão foi puxando cada ser, e Deus nomeava-os a cada um, dando-lhes uma tribo, um nome, uma linguagem e uma missão.

Ao final da obra, o carão perguntou se não faltava mas uma tribo. Veio-lhe a resposta:

- Que tribo falta ainda?

- A tribo kadiwéu!

Foram tirados, então, um homem e uma mulher que ainda estavam no fundo do buraco.

Disse Deus ao casal:

- Por serem os últimos da fila, vocês formarão os kadiwéus; não sendo, portanto, numerosos como tribo. Por isso até hoje os kadiwéus são em restrito número.

Novamente o carão indagou:

- Não falta mais nada? E os chamucocos?

- Como fazer, se não existe ninguém mais no buraco?

- Então, o Criador quebrou um galho de paratudo seco, passou-o nas nádegas e o jogou ao mato, para que se transformasse em gente.

- Como vocês são os derradeiros, serão escravos! disse o Senhor.

Aqui nossa história termina.



Lenda: Alagadiélali

Lenda narrada em português por Antônio Mendes, Índio kadiwéu.

Quando Deus fez a criação dele aqui na terra, de certo que tinha muito poder. Por isso, os índios têm tantas hstórias do que ocorreu naquele tempo.

Conta-se que, naquele tempo, havia um animal dentro de uma lagoa, chamado alagadiélali. Fez o Criador uma coberta de palha de acuri, para sondar aquele animal que devorava outros animais existentes na região e que eram suas criações.

Ficou sondando a lagoa e viu um veado se aproximar para beber água e ele sumiu, devorado que fora pelo monstro.

Pensou o Criador em matá-lo e se pôs a dialogar com o martim-pescador:

- Martim, empreste-me seu capote!

- Senhor, se eu o emprestar, morro de frio.

Mesmo assim aceitou o empréstimo e desvestiu-se.

Então, o Criador se fantasiou de pássaro e foi matar o alagadiélali dentro d'água.

O monstro foi puxado para terra e cortado em pedaços, pois estava gordo. O Criador distribuía o sebo desse monstro aos outros animais, razão do porco ter a natureza de gordo, porque dele comeu bastante.

Depois, o Criador tocou uma buzina e os outros animais começaram a chegar, para receber as fatias de gordura do alagadiélali. O primeiro a aparecer, como se percebe, foi o porco. Depois apareceu o boi que também engoliu o sebo, do mesmo que o cavalo e a capivara.

O veado e a ema comeram pouco sebo e, por isso, se tornaram magros, pois chegaram atrasados ao chamado, longe que estavam.

Além do mais, a ema resolveu descansar em cima de um formigueiro, antes de chegar ao Criador. Dormiu e teve suas asas roídas pelos insetos, o que conserva até hoje.

O cágado, quando está gordo, tem apenas o fígado gorduroso, pois, vagaroso que é, chegou por último. Achou ele apenas uma brasa engordurada e engoliu. Assim, se explica não ter ele carne alguma.



Lenda: Nomeando as Coisas

Lenda narrada por Antônio Mendes.

A história da feitura dos índos que vou contar é diferente de muitas que os outros contam, porque história de índio está na cabeça...

Bem, naquele tempo o Criador, todas as tardes, pescava um peixe e o assava, deixando-o moqueado, no sereno. Mas, ao amanhecer, era o peixe roubado de modo estranho. Julgou, então, necessário sondar o animal. Para isso, chamou o caburé, por ser cantador e não dormir a noite toda. Ao amanhecer, porém, dormiu, e o peixe desapareceu.

No outro dia, chamou a anhuma, que cantou toda a noite. Mas, ao amanhecer, novamente os ladrões levaram o peixe.

O Criador, vendo seus esforços baldados, chamou um menino e o transformou em cachorro, e o puseram-se na trilha dos ladrões. Mas, viu Deus que outro cachorro era necessário e transformou outro menino em cachorro. Novamente, puseram-se à procura dos ladrões.

Em uma altura do caminho descobriram um buraco. Olhou e viu. Estava assim de gente, de onde saímos, índio ou branco e qualquer circunvivente.

Pegou-os Deus e os distribuiu em tribos, cada qual com sua profissão, com seu nome. Os índios ficaram por último e se embrenharam nas matas. Foram chamados pelo Criador, mas não voltaram. Deus, então, os praguejou, condenando-os a viverem caçando e correndo pelas matas.

Viu Deus que faltavam os escravos, os índios chamucocos. Para inventá-los, quebrou um galho de árvore, passou-o nas nádegas e o transformou em gente.

Bom, terminou a história.