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quinta, 26 de agosto de 2010

Cavernas instrumento de inclusão social

Cavernas como instrumento de inclusão social

As cavernas, no Brasil, passaram a receber um interesse comercial jamais previsto. Já se tinha conhecimento de atividades lucrativas em cavernas na Europa e nos EUA, mas não se imaginava que isso pudesse ocorrer no Brasil.

Talvez se a colocação clara e objetiva das cavernas como bens da União fosse proposta somente hoje, ao menos objeções e argumentações contrárias seriam colocadas, o que não ocorreu à época das discussões na  Assembléia Constituinte, que resultaram na constituição vigente, promulgada em 1988.

Sendo, portanto, as cavernas bens da União, como as praias, ilhas, áreas inundáveis e sítios arqueológicos, como é que fica a questão do uso privado deste patrimônio para obtenção de lucro?
Essa é uma questão que tenho colocado para alguns advogados e até o momento não tive uma resposta conclusiva.

Existe legislação e regulamentação para o uso de alguns bens da União, como, por exemplo, os recursos minerais, cuja pesquisa e lavra é regida pelo Código de Mineração, através do qual se impõe ao minerador a obrigação de fazer o melhor uso desse bem comum em prol da Sociedade e com respeito às exigências ambientais. O proprietário do solo, superficiário, não detém a propriedade do recurso mineral in situ, e o minerador recebe uma concessão ou licença para aproveitamento do minério, após comprovar tecnicamente que a lavra é rentável e que será realizada com os mínimos impactos ambientais possíveis.

Mas e as cavernas?

Não existe ainda uma legislação específica para disciplinar e regulamentar o seu uso, seja para o turismo como para outros fins conhecidos, já que podem ser utilizadas como depósito, captação de água, fins medicinais, entre outros já conhecidos em outros países.

Em Bonito, Mato Grosso do Sul, dada à facilidade de acesso a algumas cavernas e o grande fluxo de turistas dispostos a pagar para visitar atrativos naturais, ocorreu espantoso assédio sobre as cavernas.

Aconteceu até o fato inédito de compra de terreno específico em função da presença de caverna, como foi o caso da Gruta São Miguel, com o objetivo de se tornar empreendimento turístico privado. Essa gruta situa-se entre as grutas do Lago Azul e a Nossa Sra. Aparecida, ambas tombadas pelo IPHAN e atualmente localizadas no Monumento Natural da Gruta do Lago Azul. Próximo a essas cavernas, existe ainda o Abismo Anhumas, atualmente explorado turisticamente por empreendedor privado, mas que já era proprietário da fazenda, antes do interesse comercial.
Até o momento, nenhuma caverna com atividade turística no Brasil recebeu a devida licença ambiental, licença essa necessária para qualquer tipo de empreendimento com potencial impacto negativo ao meio ambiente. Do que se tem conhecimento, existem 25 cavernas em processo de licenciamento.

Sempre defendi e ainda defendo que os empreendimentos turísticos em cavernas deveriam ser sujeitos ao licenciamento através de EIA-RIMA, ou seja, após Estudo de Impacto Ambiental. E foi através desse instrumento que a Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul foi orientada a encaminhar o EIA-RIMA realizado por uma equipe de pesquisadores para o licenciamento das atividades turísticas das grutas presentes no Monumento Natural Gruta do Lago Azul, em Bonito,MS.

No EIA-RIMA, que se encontra em análise pelo CECAV-IBAMA, foi proposto redução do valor cobrado pelo ingresso à Gruta do Lago Azul e programa de visitação pública com atendimento gratuito a escolas públicas.

Acho oportuno que antes que seja expedida a primeira licença ambiental seja retomada a discussão para a definição de uma posição clara e objetiva de como deve ser o uso privado de uma caverna.

Diante dessas dúvidas, tenho sempre procurado esclarecer, para quem me indaga a respeito de turismo em cavernas, que não está nada definido a respeito da exploração turística privada e que o melhor a fazer é esperar por essa definição, antes de qualquer iniciativa.

Tenho minha posição pessoal de que caverna com interesse turístico deva ser objeto de criação de unidades de conservação públicas e a atividade desenvolvida ou controlada por órgãos públicos, afinal são bens da União e, portanto, devem ser utilizadas para um bem comum e não apenas para geração de lucro para poucos.

Considero justa e necessária a cobrança pelos serviços prestados, como o trabalho do guia, a manutenção da infra-estrutura para visitação, mas a geração de lucro é, na minha opinião, questionável.

Desejo que o presente texto seja o reinício da discussão, que se perdeu nos últimos tempos, sobre o uso social das cavernas.

As cavernas no Brasil situam-se em áreas com poucas opções de empregos, onde a atividade turística poderia ser a opção para muitos e, ao mesmo tempo, uma forma efetiva de proteção do patrimônio espeleológico.

Afinal, se as cavernas são bens da União, o uso dessas por empreendedor privado ou não, deve prever, no mínimo, um retorno social e que o acesso não seja restrito unicamente a quem possa pagar pelo ingresso.

COLUNISTA

Paulo Boggiani

boggiani@portalbonito.com.br

Paulo César Boggiani, Geólogo formado e com doutorado pela Universidade de São Paulo, foi professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Diretor Científico da FUNDECT - Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul. Atualmente é professor do Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geociências da USP. Foi o coordenador do primeiro curso de formação de guias de turismo de Bonito.

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