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quinta, 26 de agosto de 2010

Água - Parte 25

Mitos, crenças e folclore
Reflexões - Série: Água - Parte 25
outubro/2005
hbpádua

O ato de conhecer, de aprender,
exige do homem uma postura impaciente,
inquieta, indócil. - Paulo Freire

Pois é..., estou procurando fazer modestas incursões antropológicas, filosóficas mitológicas e holísticas. Para o (meu próprio) entendimento e desenvolvimento dos pretensiosos, porém esforçados, próximos artigos não só sobre o tema “Água: verdades e  mitos”, desta série, acho conveniente e corajosamente  necessário transcrever, relembrar aqui, partes do texto de um trabalho de Glaucio Gonçalves Tiago, pesquisador científico do Instituto de Pesca/SP, mesclados com alguns comentários e talvez não tão vigorosas reflexões. Repensando, sempre repensando. 

O que é mito?

Santo Agostinho em suas Confissões (xi. 14), respondeu: “Sei muito bem o que é, desde que ninguém me pergunte; mas quando me pedem uma definição, fico perplexo”, relembrou Ruthven (1997), que continua e completa: “os mitos são imunes à explicação racional, mas estimulam as pesquisas racionais; existe uma grande diversidade de interpretações contraditórias e nenhuma delas possui o alcance suficiente para explicar definitivamente o que é mito. Neste sentido, a mitologia faz parte de um campo que engloba uma variedade de conhecimento e disciplinas: os clássicos, a antropologia, o folclore, a história das religiões, as crenças, as lendas, a lingüística, a psicologia, a filosofia e a história da arte. Somente catalogar os matizes da palavra “mito” e dos seus cognatos (mythos, mythus, mytologem, etc.) já seria uma tarefa muito complicada.
Bourg (1997) afirma que num assunto tão passional, como o das relações do homem com a natureza, abundam idéias preconcebidas, (são  mitos, lendas, crenças e suposições tidas como verdades?), de todos os gêneros, e, assim, a qualidade dos debates ecológicos não melhora. Deve-se ter pragmatismo com relação ao que se refere às condições ecológicas ou respeitar histórias, folclores, crenças e mesmo a psicologia dos seres entre si?

Entre os nossos contemporâneos, muitos pensam que é possível dividir as sociedades ocidentais, em: - intrinsecamente nocivas ao ambiente e, do outro lado, as sociedades vivendo e, principalmente, tendo vivido em simbiose com a natureza. As primeiras teriam colocado o homem no centro do universo, (antropocentrico), enquanto as segundas lhe teriam concedido um lugar muito mais modesto, porém fazendo parte, interagindo, pois então, uma associação, onde tudo é recebido, devolvido, distribuído e redistribuído, num ciclo contínuo.

Esta separação entre as culturas antropocentristas e as outras que não o são, com certeza, dificilmente persiste a um exame mais apurado, o que não deve no entanto impedir-nos de procurar compreender a modernidade e a especificidade das nossas relações com a natureza, sem nos esquecer que tudo no mundo foi, é e será conseqüência de ações, as vezes corretas e outras nem tanto. Seria causalidade ou seja uma relação de causa e efeito?

Levantemos algumas polêmicas, como a da “Teoria do Direito Natural” de Hobbes tendo como primeira Lei da Natureza: “O conceito de autopreservação e auto-engrandecimento, que é exercido através dos mais diversos truques ou crueldades para poder provar esta possibilidade” (Evernden, 1992). Isto permitiria ou permitiu todo o tipo de crueldade para o estabelecimento da sociedade civilizada, (será?), moderna. Neste ponto de vista, a dominação da natureza não é somente um direito, mas uma obrigação: “A natureza deve ser domesticada, não preservada”. Isso seria possível, como um todo? Vejamos..., exemplo bem atual são os efeitos dos ciclones, que nascem nos oceanos, bem longe, porém vão tomando ou perdendo força. São ações físicas, climáticas, etc., portanto  palpáveis, calculadas e de possível estudo e parcialmente previsíveis, pelo menos atualmente. Vejamos o recente furacão Rita/USA que inicio como um ciclone extratropical, ganhou força e perdeu, terminando classificado como ciclone tropical, mas mesmo assim ocasionou danos diversos. “ ...Rita levou meu sorriso;  ...levou os meus sonhos; ... os meus desenganos; ... além de tudo,  deixou mudo...”

Esses fenômenos, no caso, podem ou não atingir o continente. São de início massas de ar, nos mares. Revoltas e revolvendo massas d’água, se juntando, atingindo o continente, (a terra)  e daí sendo denominado de furacões, ou tornados, (dependendo da magnitude - ver artigo parte 24, desta mesma série),  causando destruição, alagamentos e mortes. É a força da natureza que deve e pode ser dominada ou não adianta*? 

*Obs. - recurso da “maiêutica”, ou seja, a arte de mostrar ao interlocutor, por meio de perguntas, as  verdades do objeto em questão.  Pura filosofia socrática.

Neste sentido, a possibilidade de existir uma coisa chamada “natureza” como algo significativo para o desenvolvimento científico, assemelha-se a um peixe possuir uma coisa chamada água. Sem a água o peixe não viveria ou sem a natureza a ciência não existiria. Correto? Com a ciência, o que antes era algo invisível, pré-consciente, torna-se objeto para exame e descrição.

A ciência pragmática leva à um progresso, ao desenvolvimento, à novas descobertas.  É  bom? Faz bem?

Eu, Helcias, autor, costumo repetir o que ouvi de um antigo mestre: “todo progresso deve ser almejado, esperado, desejado, bem vindo; porém gera  necessidades, as vezes não  tão boas”. Ou seja, tudo tem o seu preço. Vocês gostariam de voltar a época dos lampiões, andar somente a pé, se comunicar via batidas de tambor ou uivos, apitos, etc.? Em compensação temos ao internet, os produtos tecnológicos, os medicamentos, melhores carros. Vemos ampliada a nossa expectativa de vida. Acompanhando temos as ações incidentes, de incidir, de sobrevir, de necessidades de refletir; ou os acidentes,  de casualidades, imprevistos, fortuitos, Ainda temos as maldades, (de mal = advérbio), desfavoráveis, nocivas; ou o seu contrário, o bem, o benefício, o proveitoso, etc. < podendo-se falar também das maudades, (de  mau(*) =  adjetivo), ruindades humanas,  ou o seu  contrário, o bom, coisas boas, o agradável, o generoso, etc. Tudo isso deve ser considerado quanto às evoluções (transformações) humanas numa sociedade, ou  seja quanto ao desenvolvimento progressivo de um conjunto de coisas, de fatos, de idéias, etc.

(*)Na mata amazônica encontramos uma ave de nome  maú (sim, com acento agudo no Ú) ou urutauí que emite sons parecidos ao berro de um bezerro

Seriam os mitos, as crenças, etc., necessárias para frear, disciplinar, orientar atitudes do ser humano com relação ao ambiente, como um todo?

Quando a identidade é marcada só pela natureza, ela é repetitiva; e quando a identidade é marcada pela cultura, ela é inovadora. O fruto da inovação produzido por uma nova cultura, (introduzida), pode sobrepor práticas culturais em determinadas parcelas da população. Assim, supomos que a cultura urbana atual (distante dos ciclos naturais não humanos) sobrepõe a cultura rural e haliêutica (mais inserida na natureza), ocasionando uma imposição de regras sociais que não possuem relação e fundamento nos significantes culturais relevantes para as populações de cultura não urbana, aponta Glaucio Gonçalves Tiago.

Continuando, afirma: por exemplo, “- Populações que praticam a aqüicultura e a pesca possuem, de maneira geral, inconscientes que transcendem aspectos temporais e remetem aos mitos relativos às águas e às culturas e ofícios das águas.

Quanto destas populações são culturalmente reconhecidas pelos entes governamentais na formulação de políticas e de normas voltadas ao ordenamento destas práticas e à proteção ambiental? Quanto destes referenciais míticos e/ou culturais são percebidos e compreendidos pelos aparelhos de organização social, de maneira que se possibilite a criação e a operacionalização de regras sociais que validem a maior quantidade destas práticas culturais, e, assim, legitime as regras geradas?

Diante destas questões, os aspectos míticos presentes nas variadas culturas humanas remetem-nos inicialmente a uma abordagem epistemológica(*) sobre o significado mítico e seus correspondentes e, em nosso caso, à relação simbólica homem/água, reflete o autor.

(*) Haliêutica = parte da biologia que estuda a ciência, a técnica  e  estratégias de exploração à pesca, incluindo a aqüicultura, dos organismos aquáticos, em especial marinhos.
Epistemologia = estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas; teoria das ciências.

No que diz respeito à relação homem/natureza, a apropriação de recursos naturais é revestida de várias estratégias dissimuladoras, com caráter oficial ou não, como, talvez, a criação de agências governamentais regulamentadoras de atividades que utilizam recursos naturais e mesmo as ONGs, as fundações ambientais e conservacionistas, etc.

O mito religando, relembrando fatos  histórico

O mito é, assim, um dos caminhos que nos trazem a possibilidade de religação com as fontes mais antigas de conhecimentos esquecidos. E, por isso mesmo, o mito tem um papel religioso ou crença fundamental no que se refere à religação do homem (na natureza,) com o conhecimento espiritual, com as suas fontes divinas, afirma Cavalcanti, (1997).

Vale relembrar um fato importante, um ato, uma ação na história do Brasil. Tudo revestido e repassado à crenças, (misticismos). vejamos: - entre os vários mitos ou crenças cultuadas pelos negros brasileiros, seus descendentes e seguidores diversos, vê-se a existência do mito “Preto Velho”*, como a imagem da humildade e do saber, porém mostruário da perseverança de uma raça, da identidade de um povo, cultuando heroicamente sua história.Visitem o Museu Afro-Brasil, no Pq Ibirapuera/SP.

• *Imagem mítica e mística surgida na escravatura, após a “lei dos sexagenários”. Isso acarretou no abandono dessas pessoas idosas, ou seja, os escravos velhos não mais produzem. Então os velhos podem ser libertados, mas não tem como obter por si  o alimento. Ficam abandonados. Permanecem nas senzalas, só por caridade. Dá-se apenas comida e pronto.
Até hoje, no Brasil, cultua-se a  imagem mística do Preto Velho, oferecendo-o água, café, feijão e fumo. Refletimos que o nosso pais  foi,  na época, a última nação a abolir a escravidão dos negros, que aqui durou 3 séculos. (no Velho Testamento, vê-se que o povo judeu foi escravizado por 40 anos)

Um outro exemplo da relação das crenças religiosas e fatos históricos ou  figuras e grupos históricos é a “Congada”*, representação que festeja encenando a vitória do bem contra o mal, do reinado bom contra o mau, do santificado contra infernizado, digamos assim. Lembro-me do festejo “Marrá Paiá”* encenação profano-religiosa característica de maravilhosa Paraty/RJ, onde entre outros  grupos de dança folclórica, os “Congadeiros” de Cunha/SP, cidade do Alto Paraíba, sempre se apresentam. Comenta-se que em séculos passados, a apresentação de grupos de “Congada”  junto à “Festa do Divino” sofreu proibição pela Igreja do Vale do Paraíba. Em Cunha/SP esses grupos escondidos se dirigiam à Paraty/RJ e lá se apresentavam. Tal tradição persiste até os dias atuais, sempre se convidando os “Congadeiros de Cunha” para encenar, cantar e dançar na pequena e bela cidade litorânea, - Paraty -. É aonde  se  produz historicamente, entre outras tantas iguarias, a aguardente ou “pinga”, declamada, cantada e  respeitada “Paraty”. Em Paraty não se fala em Congada  e sim na festa de Marrá Paiá, corruptela formada pela junção das palavras na frase, “amarrar as paiás (guizos)”, nas pernas dos componentes do grupo, enquanto se versa uma canção homenageando os santos e divindades, São José, São Benedito e o “Espirito Santo”*.

Podemos ainda citar um trabalho de Adilson da Silva Mello que teve como proposta resgatar o mito, um fenômeno religioso chamado “Sá Marinha das Três Pontes”, da região de Cunha/SP.  Na tentativa de equacionar os fatos ele concluiu que, no caso, “muitas vezes esquecidos, fenômenos como esse trazem em si elementos de análise que podem passar desapercebidos aos pesquisadores. Não importa apenas constatar sua existência, elaborar um arcabouço teórico e enquadrá-lo de forma a que a teoria possa ter razões inquestionáveis”. Ele questionava todo marco teórico durante o processo de pesquisa de interpretação dos dados. Muitas vezes o objeto formal da pesquisa apontava em direções diferentes daquela pretendida durante o decorrer do processo. Cabia então, ao pesquisador, redimensionar as posturas teóricas para que o objeto pudesse falar de forma mais clara e mostrar sua relevância.

A mitologia  tentando explicar  questões da natureza

Osíris, na mitologia egípcia, personificava fecundidade, a fonte total e criadora das águas. Ainda, no Egito, para garantir a existência e continuidade da vida, a mesa de pedra talhada ou a mesa de libação era posicionada nas margens dos rios e sobre ela derramava-se vinho que - ao escorrer pelos sulcos sinuosos da pedra representava os meandros desses rios. O vinho era uma oferenda a Osíris, Hapi ou Serápis. O rio Nilo era originado da união entre Osíris aquático e Ísis terrena, da qual nasceu o menino-deus Hórus.

Ainda mais, no antigo reino dos faraós era louvada pelos sacerdotes a importância da água, pois, para eles, as coisas presentes no mundo só podiam existir graças à ação da umidade. As águas provenientes dos templos eram dádivas dos deuses que os súditos consideravam sagradas.
As Nereidas, na criação grega, eram originadas da união entre o Mar e  os Rios. O Céu e a Terra (Gaia) eram para os gregos os símbolos masculino e feminino que, através da fertilização das águas, produziam a vida, a qual passava a ser regida por Eros.

Aristóteles por sua vez já pregava que:  "Os rios se originariam da água da chuva e da condensação no solo da umidade do ar no interior das cavernas nas montanhas que davam origem aos mananciais". Nada mais correto, sabemos hoje em dia.
Nas tradições religiosas afro-brasileiras, a divindade reinante sobre as águas do mar e que habitava na capital religiosa dos Iorubás, Ifé, tem o nome de Yemanjá

Os Mitos da Água

A Mitologia é um dos repositórios do conhecimento humano. Assim, através da interpretação dos mitos, alguns autores desenvolvem um trabalho que tem como finalidade resgatar este conhecimento adormecido no inconsciente, restaurando e vitalizando o significado mais profundo contido nestas narrações.

Raíssa Cavalcanti, no livro “Mitos da Água”, trabalha na recuperação dessa memória ancestral e faz uma investigação do processo evolutivo e da finalidade espiritual da vida humana. Desta forma, seleciona mitos relacionados com a água, considerada um dos elementos essenciais formadores da vida, a “Prima Matéria”, pois acreditamos que o projeto evolutivo do homem está ligado à evolução do cosmo como um todo. A antropogênese está relacionada à cosmogênese.
Assim, por exemplo:

• O Bhagavad Gita concebe Deus como a origem do universo e em cuja natureza há oito formas elementais: terra, água, fogo, ar, éter, mente, razão e consciência individual.
• Os filósofos pré-Socráticos sustentavam que o Universo é gerado de uma matéria única e original, “a Prima Matéria”, que, para Tales de Mileto era a água; para Anaximandro era o Apeiron, o ilimitado; para Xenófanes de Cólofon era o mar, fonte de água e vento; para
• Heráclito de Éfeso era o fogo, o fogo periódico e eterno é  Deus; e para Aristóteles era a Prima Matéria, a potencialidade sem forma.
• No panteão grego, Zéus de Dodona era o Senhor dos quatro elementos (ar, terra, água e fogo), que em Roma era similar a Júpiter Mundos.
• Para os Hindus era Brahma com quatro faces, rei dos quatro elementos.
• Gregos, hindus e judeus acreditavam em um 5º elemento, o éter, que é a síntese dos outros elementos.
• Para Platão, os quatro elementos eram "Aquilo que compõe e decompõe os corpos compostos". O fogo, o ar, a água e a terra eram somente o revestimento aparente, os símbolos das Almas ou Espíritos visíveis que tudo impregnavam de vida.
• Para Platão e os Pitagóricos, a substância primordial é a Alma do Mundo, impregnada pelo espírito daquele que fecunda as Águas Primitivas.
• Na Cabala, o Ain-Sofh, o Deus-Deus, o Não-manifesto, o incognoscível, (que não se pode conhecer), e manifesta através dos dez Sefirot. O infinito imutável não pode querer pensar e atuar, e para fazê-lo deve converter-se em finito, através de Sephira, o poder ativo. Quando o poder ativo surge dentro da unidade, ele é feminino. Quando assume o papel de criador, ele é Masculino. O Sephira feminino é o grande mar, as Águas Primordiais. Da dualidade de Sephira surgem os outros sete sefirot (luzes, nomes, estágios,...). Sefirot é o tecido de conexão entre o Deus infinito e o mundo finito. A água é um sefirot, uma das formas elementais através das quais a unidade infinita, o eterno não revelado, se manifesta
• Para os alquimistas, a água é uma das representações da substância primordial.
• Na cultura hindu, o ovo cósmico, Bramanda, foi chocado na superfície das águas (prakiti).
• No Egito, o Deus eterno Kneph era representado por uma serpente enroscada em um vaso de água. Para os polinésios, as águas primordiais eram mergulhadas nas trevas cósmicas, até que Io, o Deus supremo, exprimiu o desejo de sair do repouso. Para os Taoístas, a água é o sopro vital (prana).

A água como “prima-matéria”

Todas essas concepções filosóficas são tentativas de explicar o mistério das origens do universo, cuja complexidade é incompreensível ao ser humano. Psicologicamente, a Água é o reservatório de toda a pulsão devida. A noção da água como fonte primordial da vida é considerada universal. Na maioria das religiões, a água é a “prima-matéria”. A maior parte das cosmogonias considera a água o mais antigo dos elementos. Nas culturas judáico-cristãs, é o símbolo do 1º lugar, a origem da criação, a semente, o "men” (M) que simboliza a água sensível da qual tudo se origina. M é a mais sagrada das letras, é masculina e feminina e simboliza a Água original.
A água é a expressão imanente do transcendente, é uma hierofania, a manifestação do sagrado, um modo de aparição de Deus. Mitos da água são uma discussão sobre a origem, o desenvolvimento e a finalidade última do ser (espiritual).

O porque dos mitos  masculinos  e  femininos

O Oceano é muitas vezes considerado como a água primordial. Na tradição antiga, o Oceano é um imenso rio, que circunda o mundo terrestre. Para os gregos, o Oceano é o rio-serpente, o rio-oceano (Ésquilo em Prometeu Acorrentado). Oceano é representado por um "Velho sentado sobre as ondas, empunhando uma lança numa das mãos e, na outra, segurando uma urna da qual despeja água. Ao seu lado sempre aparece um monstro marinho". Oceano é o 1º Deus das Águas, o mais velho dos Titãs, é considerado o pai de todos os seres. Filho de Urano e Géia (os pais do mundo): “É um fluxo, um limite e uma barreira entre o mundo e o além". Oceano uniu-se à irmã Tétis, a mais jovem das titanisas, e com ela gerou mais de 3000 rios e 41 filhas chamadas oceânicas. Estas personificam os riachos, fontes e nascentes. Para Homero, todos os deuses eram originários de Oceano e Tétis.

É como filho do Céu e da Terra que Oceano dá continuidade à função procriativa e criativa dos pais. O mundo uraniano constitui o estágio de perfeição paradisíaca do não-nascido, daquilo que ainda é pura idéia, vontade divina da manifestação material. Oceano dá inicio ao estágio dos "nascidos", é um "Pai do Mundo", pois materializa aquilo que em Urano era idéia.

O Deus Oceano simboliza o masculino gerador-criador e não somente o masculino copulador de idéias, como Urano. Oceano e Tétis são uma parelha cósmica, o casal primordial, pais de todos os seres, "pais do Mundo". As águas femininas e masculinas são símbolos da união das polaridades contidas na totalidade divina "Pai-Mãe". O desenvolvimento da consciência humana é dado através da separação entre masculino e feminino. São arquétipos primordiais do masculino e feminino que fornecem a base arquetípica da identificação sexual, que retira o indivíduo da onipotência e o coloca como sujeito incompleto no mundo. Oceano não possui um lugar determinado. É o limite entre o mundo arquetípico, pré-formal, e o mundo sensível das formas.

O Mar, como o Oceano, é o símbolo do princípio de todas as coisas. O Oceano representa as Águas superiores, a matéria prima indeterminada, a calma, a tranqüilidade profunda, e o Mar representa as Águas inferiores, as possibilidades formais, a agitação, o dinamismo da vida (ondas). O Mar representa, melhor que o Oceano, a dinâmica da vida e da morte, do começo e do fim, tudo se origina e retorna a ele.

Os Velhos do Mar (Fórcis, Proteu e Nereu) são personificações do aspecto antigo e primordial do Mar. Proteu é o que melhor encarna esta ancestralidade, a origem. Proteu é o protógono, o primogênito. Proteu representa a ancestralidade do Mar e do homem e corresponde aos símbolos gnósticos, (esotéricos), de fundamento do mundo, ou arcanum. Os Velhos do Mar representam o homo perfectus (Teleios), o homem cósmico. A sabedoria, a bondade, e a justiça do inconsciente coletivo. Os Velhos do Mar representam, acima de tudo, o reservatório de conhecimento ancestral, que está à disposição daquele que procura a individuação.

O símbolo do peixe

Em inúmeras tradições religiosas, o peixe é o possuidor da função de revelação. A soberania e a santidade são distribuídas pelos gênios marinhos em forma de peixes, serpentes ou dragões. A força mágico-religiosa era transmitida aos heróis por seres míticos femininos com “cheiro de peixe”. O peixe na Alquimia possuía esta qualidade simbólica de orientador e de revelador de um processo, de um caminho a ser seguido pelo adepto.

No Cristianismo, o símbolo do peixe foi amplamente utilizado:
a) O ideograma de Cristo é “ICHTUS” (peixe em grego) = “Iesus Christós Theou Uios Soter” = “Jesus Cristo, filho de Deus, Salvador”;
b) Cristão são os pequenos peixes (pisciuli);
c) Cristo é um salvador e um pescador;
d) A pia batismal é chamada de piscina, que é um tanque de peixes;
e) O peixe é um sinal secreto de reconhecimento;
f) O peixe é o alimento do corpo e do espírito, como o pão.

O peixe geralmente está associado à fecundidade que provém do amor. Matéria e espírito, sagrado e impuro. Assim como Tritão, o peixe é considerado uma potência fálica. É representado pelo losango, que é a união entre as potências masculinas e femininas, a vulva e o falo. Tritão representa a idéia mais arcaica da energia cósmica, que é tanto masculina e feminina, positiva e negativa, e que está presente em todos os humanos.

Para Hesíodo, Tritão é o Deus da força-ampla, um complexo e profundo símbolo do Self (para Jung, o Self é o fator de orientação mínima, o centro regulador).

A lenda de Glauco: De homem a Deus marinho. Para Anaximandro, o homem é um filho do mar, do inconsciente cósmico, que caminha evolutivamente em busca da realização de sua humanidade. Glauco, o Deus marinho, é filho de Posídon e de uma ninfa do mar chamada Naís. Nasceu mortal, mas, um dia, tendo posto sobre as ervas da margem uns peixes que acabara de pescar, notou que eles se agitavam de um modo extraordinário e se lançavam ao mar. Acreditou que estas ervas possuíam uma virtude mágica, provou-as e tornou-se um Deus Marinho. Posídon e Tétis despojaram-no do que tinha de mortal e o admitiram como um Deus.

O processo de individuação, de busca da totalidade, pressupõe uma atitude de luta e integridade na busca da consciência, além do conhecimento e a fé na unidade da vida espiritual e na imortalidade do espírito. No caso do mito de Glauco, o seu processo não é marcado por nenhuma dificuldade. Ao contrário, a sua descoberta da planta da imortalidade quase se dá por acaso. Ele não teve que trilhar nenhum caminho penoso e muito menos enfrentar ou matar um monstro para conseguir a planta da imortalidade. Mas, como Jung provou que o acaso não existe, a descoberta de Glauco aconteceu porque ele estava preparado para “ver”, para o ato de conhecer, porque ele era um pescador. O pescador é, simbolicamente, aquele que se dedica ao ato de buscar no inconsciente, de “fisgar” o alimento da sabedoria para a consciência. Ele dedicava a sua vida à pratica do conhecimento e era possuidor da virtude da sabedoria, já era um iniciado.

De forma geral, os mitos afirmam que o conhecimento, o criar consciência, é o caminho para a imortalidade. O conhecimento do bem e do mal retira o indivíduo do estado de alienação e o torna capaz de “ver” onde se encontra a Árvore da Vida ou a planta milagrosa que lhe dará a imortalidade, ou o conhecimento da eternidade do espírito. Glauco estava capacitado para “ver” e acreditou no que via. Apenas os peixes, o seu guia interior e os símbolos do Self foram os sinais que lhe apontaram o caminho da verdade. Glauco morre para o mundo profano e renasce para o mundo espiritual.

Aquele que já provou dos frutos da Árvore da Ciência é um iniciado porque conhece o bem e o mal, se humanizou, e assim está preparado para comer os frutos da Árvore da Vida. Toda pessoa que se dedica ao ato da investigação do inconsciente com a finalidade de obter o conhecimento de si mesmo e da vida é um pescador. O conhecimento do mundo reside dentro de cada um. O novo Deus Marinho pode ser definido como aquele que sai da condição histórica, abandona o devir humano para fazer o caminho de volta, a reconciliação com o inconsciente, com a totalidade cósmica.

O pensamento hermético concebe que a “Totalidade” é tanto o início quanto o encerramento de um processo, e isto constitui o segredo hermético, o que Jung e a psicologia junguiana, mais tarde, chamarão de individuação. A entrada para dentro de si mesmo corresponde à imersão, ao banho ritual. O costume do banho ritual, que depois tomou a forma do batismo, foi amplamente usado pelo cristianismo para designar os dois atos simbólicos, a imersão e a emersão. “O homem velho morre por imersão na água, e dá origem a um ser novo regenerado”. A própria água é um chamamento para a nudez como sinônimo de pureza, despojamento, abandono de atitudes antigas.

Água: Medo e Repulsa

Encerrando a parte do trabalho destinado à apresentação dos variados mitos da água, na forma do apresentado por Raissa Cavalcanti (1997), expomos com Corbin (1989) que: “Uma capa de imagens repulsivas impede a emergência do desejo a beira-mar”. Na visão deste autor, a interpretação da Bíblia, particularmente a do Gênese, dos Salmos e do Livro de Jó, marca profundamente as representações do mar. Os relatos da Criação e do dilúvio tingem-se de traços específicos do imaginário coletivo. O Gênese impõe a visão do “Grande Abismo”, lugar de mistérios insondáveis, massa líquida sem pontos de referência, imagem do infinito, do incompreensível, sobre a qual, na aurora da Criação, flutuava o espírito de Deus. Essa extensão palpitante, que simboliza, ou melhor, que constitui o incognoscível, é em si mesma terrível. Não existe mar no Jardim do Éden.

A cosmologia sagrada, evocada em linhas gerais, impõe ao mar e às criaturas que o habitam certos esquemas de apreciação e lhes confere um forte valor simbólico. Através da figura do Leviatã, “o monstro que habita o mar”, a Bíblia consagrou o caráter teratológico do peixe. Isso, aliás, é uma decorrência lógica do relato da Criação. O oceano, recipiente líquido dos monstros, é um mundo condenado em cuja obscuridade se entredevoram as criaturas malditas. A Igreja representa a figura do barco, o Espírito Santo, a do timoneiro que conduz ao porto eterno, objeto do desejo do cristão, enquanto o pecado faz derivar para longe da rota da salvação. O mar também é interpretado como um símbolo do purgatório, à imagem de uma travessia que pode ser, para o pecador surpreendido pela tempestade punitiva, a ocasião do retorno ao caminho correto.

Conforme Corbin (1989), a reinterpretação dos textos antigos pelos humanistas (Horácio, Tibulo, Ovídio, Sêneca, Aristóteles, Defoe, Montesquieu etc.) assim como a busca e a contemplação da arte da Antigüidade impõem outras imagens do mar e de suas praias, que vêm se combinar com aquelas derivadas da tradição judaico-cristã, formando-se um catálogo de imagens repulsivas do mar e de suas costas; elas se enraízam num sistema de representações anterior à emergência do desejo da beira-mar. Assim, desde o séc. XVII operou-se uma mudança que possibilita um novo olhar sobre o oceano: o desenvolvimento da oceanografia na Inglaterra (entre 1660 e 1675); uma efêmera atenção dada por poetas barrocos às maravilhas marinhas; os cantos idílicos dos profetas da teologia natural; a exaltação das praias fecundas da Holanda, abençoada por Deus; e a moda da viagem clássica às margens luminosas da baía de Nápoles.

Diegues (1998), versando sobre o universo insular, expõe que “As sociedades insulares são fundamentadas nos conceitos de maritimidade, insularidade e ilheidade. Não é a presença material do mar que se revela como elemento básico das sociedades insulares, mas sim as práticas sociais e simbólicas desenvolvidas em relação ao mar”. Na maioria das vezes, o mar é visto por vez como fator de contato e em outra de isolamento, dependendo do tipo de relação que as sociedades insulares mantêm com o exterior.

Bibliografia recomendada

• Bourg, D. - Os Sentimentos da Natureza. Lisboa. Instituto Piaget. 268 p.. 1997.
• Cancini, N. – Culturas híbridas. EDUSP.
• Cavalcanti, R - Mitos da Água. São Paulo. São Paulo. Ed. Cultrix. 264 p. 1998
• Corbin, A . - O Território do Vazio. A Praia e o imaginário Ocidental. São Paulo. Editora Schwarcz / Cia. Das Letras. 385 p. 1989.
• Diegues, A. C. – Ilhas e Mares: Simbolismo e Imaginário. São Paulo. Ed. Hucitec. 272 p. 1998
• Evernden, N. - The Social Creation of Nature. Baltimore. The Johns Hopkins University Press. Cap. 2. 1992
• Godelier, M. - Antropologia. São Paulo, Editora Ática. 208 p. 1981.
• Larousse - Sociedade e Cultural - Enciclopédia Compacta Brasil - Larousse Cultural - Nova Cultural - 1995
• Mollat, M. - La vie quotidienne des gens de mer en Atlantique (IX-XVI). Paris. Hachette Literature. 1983.
• Nogueira, S. – Use bem o mal. Diário de S.Paulo/SP-SP. Aula diário; Economia, 2ª edição; Sábado, 24/09/05.p.B2
• Parker, C. - Religião Popular e Modernização Capitalista, Ed Vozes, Petrópolis/RJ
• Pierucci, A F. - Reencantamento e Dessecularização, in Revista Novos Estudos, no. 49 nov/1997.
• Revista Geográfica - Revista Geográfica Universal N.º 131. Bloch Editores S.A., 1985
• Ribeiro, R. J. - A Sociedade contra o Social. São Paulo. Ed. Companhia das Letras. 232 p. 2002.
• Shirley, R.W. - O Fim de uma Tradição, Perspectiva, SP, 1971.
• Ruthven, K. K. - O mito. São Paulo. Editora Perspectiva. 126 p. 1997
• Tiago, G. G. - Mitos das águas: a cultura haliêutica e seus poderosos significantes ancestrais
Bacharel em Ciências Biológicas e em Ciências Jurídicas, MSc em Ciência Ambiental (Procam/USP,  Instituto de Pesca/SP).
Site(s) e e.mail(s)
• http://www.grupoaruanda.com
• Informações: Secretaria Municipal de Turismo e Cultura.  pmc.turismocultura@ig.com.br : Prefeitura Municipal da Estância Climática de Cunha
• Mello, A.S. - Análise de uma Devoção: Repensando os Elementos Interpretativos: armello@uol.com.br

Outras informações –
• Cunha/SP = Localizado no Alto Paraíba, o município de Cunha/SP ocupa 1410 km2 de colinas e montanhas, entre as Serras da Quebra-Cangalha, da Bocaina e do Mar, recebendo, em 1948, o título Estância Climática. Na  região têm-se uma das mais fortes manifestações artísticas destacando-se a cerâmica de alta temperatura, com tradição forte desde a época dos índios que já trabalhavam com o barro, tendo continuidade com as paneleiras, que fabricavam panelas e potes de barro na roça. Destaca-se também as manifestações folclóricas, entre elas os grupos de congadeiros, (Congada da Barra de J. Alves, Congada de São Benedito dos Campos de Cunha) e eventos religiosos como a Festa do Divino, etc. Famosas são as narrativas da curandeira “Sá Maiinha das Três Pontes”, Maria Guedes, nascida em 1882, em Cunha/SP. Narra-se que quando tinha 13 anos, no Bairro das Três Pontes (Jacuí), inicia-se sua história de milagres, aparições, curas, etc. Curandeira e vidente apresenta um quadro circundado pelo mistério, característico de seu universo cultural. Personagens de grande importância no universo que envolve os curandeiros de Cunha. Conta-se da água da fonte, do rio, das aparições,  da  imagem, sem antes citar seu retorno. “Não leva ela pra sepultar, que num tá morta”.
• Paraty/RJ = Município situado no litoral sul-fluminense e entrecortado por praias e montanhas, (Serra do Mar-Mata Atlântica), formando esplêndido panorama com o verde da montanha, o azul do céu e o cristalino das suas águas. Sua formação remonta à 1640 como Vila da Nossa Senhora dos Remédios, sendo por muito tempo usada, como ponto e porto de onde saiam para Portugal, o ouro e pedras preciosas vindas de Minas Gerais. As trilhas na região das suas montanhas eram visadas por contrabandistas, piratas e saqueadores, (bucaneros). Elevada à Condado de Paraty em 1813. A cidade é considerada Patrimônio Histórico Nacional, Paraty mostra suas igrejas, casarões ladeando suas estreitas ruas centrais  calçadas com pedras irregulares e adaptadas a receber e escoar naturalmente as águas das marés. Seu litoral exibe muitas ilhas e praias com águas super cristalinas. Este autor identificou insetos, mamíferos e um caso em ser humano da leishmaniose tegumentar americana, já em 1973/4, num lugarejo ao sopé de uma das suas  montanhas, sendo que ainda são apontadas  “leishmaniose tegumentar” em mamíferos, (cães, etc.), pelo Inst. Osvaldo Cruz/RJ, infestação causada pela Leishmania, parasita transmitido pelo mosquito flebotomo.
• Congada = Bailado popular que acontece em algumas regiões do Sul e Sudeste brasileiro, como nos estados do Paraná, São Paulo, (meu pai - o  velho Orestes - dizia ter sido  congadeiro lá em Sorocaba/SP), em Minas Gerais, e também no Nordeste, na Paraíba. Esta manifestação cultural tem origem no catolicismo e nas sangrentas histórias de guerra do povo africano, como a do assassinato do rei de Angola, Gola Bândi. Na congada dramatizam uma procissão de escravos feiticeiros, capatazes, damas de companhia e guerreiros que levam a rainha e o rei negro até a igreja, onde serão coroados. Durante o cortejo, ao som de violas, atabaques e reco-recos, realizam danças com movimentos que simulam uma guerra. Algumas danças africanas, trazidas para o Brasil pelos escravos vindos de diversos pontos da África — Congo, Guiné, Moçambique, Angola — eram danças guerreiras. No Brasil, os missionários católicos conseguiram conservar estas danças guerreiras e renomeando-as,  introduzindo elementos de cristianismo, colaborando assim para a preservação e transformação do valioso folclore negro. Os escravos, que na sociedade colonial constituíam-se simples instrumento de trabalho, tinham, graças à influência da igreja, a permissão de comemorar certos dias do ano, com festas. Estes dias eram comemorados com a congada, permitida pelos patrões e pelo igreja; com o batuque, condenado pela igreja, e com a macumba, condenada pelos patrões e pelos  padres. O batuque, dança erótica, recebeu a condenação da igreja e a congada foi por ela prestigiada. Na Congada, o seu participante integrava uma confraria religiosa. O negro, que é menos individualista do que o branco, procura sempre associar-se, formar grupo de cooperação. Então, formavam grupos que, às vezes, se desentendiam, como acontecia com os congos e moçambiques, disputando sempre: daí nunca terem o mesmo lugar na procissão. Os negros eram colocados no começo dos cortejos religiosos, ao lado dos meninos, costume que deu origem à seguinte crença: "Não vindo a irmandade de São Benedito à frente é chuva  na  certa". Como diz Alceu Maynard Araújo, a razão de ser da congada no passado era transferir, sublimar o instinto guerreiro do negro em fator criador, religioso: negro cristão versus negro pagão. Sublimada a atitude guerreira do negro era ao mesmo tempo uma defesa para o branco. Deste ele tinha ressentimentos que se traduziam pela agressividade. Unindo-se os negros podiam fazer valer os seus direitos.
• Festa do Divino = Instituída em Portugal nos primeiros anos do século 14 pela rainha Isabel, mulher de D. Diniz, quando construiu a igreja do Espírito Santo em Alenquer. No Brasil começou  se popularizar no século 16. Informa-se que chegou ao nosso pais no mesmo século. Há indícios de que, no Maranhão, ela tenha chegado com os açorianos entre 1615 e 1652, (séc. 17). Na região suldeste costuma ser celebrada desde o século 17 e, nestes mais de quatrocentos anos, a comunidade de Paraty/RJ conseguiu preservar a tradição religiosa e folclórica, festejando e homenageando a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade com muita originalidade, (a Igreja Matriz, ou Nossa Senhora dos Remédios, e as ruas do Centro Histórico ficam inteiramente decoradas com esmero pelas senhoras da paróquia e pela comissão da festa). É celebrada ainda no Rio de Janeiro, em outras muitas cidades de  São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Maranhão, Amazonas, Espírito Santo e Goiás, com missa cantada, procissão, leilão de prendas e as manifestações folclóricas peculiares de a cada região. Na preparação da festa realiza-se uma folia, com a bandeira do Divino, para arrecadar fundos e são armados coretos, palanques e um trono para o imperador do Divino. Trata-se de uma criança ou adulto que, durante a festa, exerce poderes majestáticos, chegando até a libertar presos comuns em algumas regiões de Portugal e do Brasil. A festa do Divino é uma  festa religiosa móvel, que dura em torno de dez dias e termina no domingo de Pentecostes, no mês de maio. O dia de Pentecostes, data em que a Igreja Católica comemora a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, ocorre sete semanas depois do domingo de Páscoa.
• Marrá Paiá = Congada, chamada em Paraty/RJ de  Marrá Paiá, que é um folguedo de origem afro-brasileira com resíduos da cultura negra de Angola e do Congo. Reminiscência da antiga coroação dos Reis do Congo no Brasil, recebendo o nome de marrá-paiá por conta dos guizos (ou paiás) presos nas pernas dos dançarinos, que dão ritmo à dança.
• Pinga – Cachaça:  = pinga ou cachaça, (duas das dezenas de denominações), é a aguardente feita da cana-de-açúcar; - aguardente é o álcool obtido pela destilação do caldo de vegetais (frutas, cereais, grãos, etc.); - destilação:  o processo pelo qual uma substância em estado líquido passa para o estado gasoso e, depois, novamente ao líquido, por condensação do vapor obtido, removendo dessa forma as impurezas; - fermentação: processo de transformação da sacarose (açúcar) em álcool etílico e água, podendo ser natural ou química; - o álcool pode ser obtido tanto por destilação (vodka e whisky, por exemplo) como por fermentação (cerveja e vinho). Popularmente pinga e cachaça é a mesma coisa, mas tecnicamente e legalmente não são.
• Pinga:  o nome “pinga”, é bem recente,  dado à uma bebida (fermentada e destilada) feita da “garapa de cana-de-açúcar. Vem do fato que, durante a produção, na destilação, o vapor do caldo de cana fermentado se condensa e “pinga” dentro dos tonéis. 
• Cachaça : a aguardente destilada a partir do fermentado da “borra ou melaço do açúcar”. Por volta de 1540 os portugueses instalaram no Brasil os primeiros engenhos para produção de açúcar e rapadura. Engenho : equipamento utilizado para moer a cana de açúcar.
• Alambique:  o equipamento utilizado para destilar a caldo da cana depois de fermentado (parece uma grande chaleira).
• A bebida cachaça ou pinga, inicialmente, no Brasil, era servida aos escravos, (possivelmente, em sua maioria, na forma de pinga, após a garapa ter azedado, fermentado e destilado), como recompensa e estimulo (dependência) ao trabalho (forçado). Também foi usada como moeda de compra ou troca, pelos traficantes de escravos, ante às tribos africanas, já que à eles o dinheiro não tinha valor algum.
• E.T..- para se fazer rapadura, fervia-se o caldo da cana, separando a espuma que se formava - o cagaço- para dar aos animais. Encarregados da produção da raspadura e de levar o cagaço  para os cochos dos animais, os escravos perceberam que após um ou dois dias parado, o cagaço  fermentava, transformando-se em álcool. Não demorou muito para os senhores de engenho descobrirem esse álcool. Acostumados a produzir a bagaceira, uma aguardente feito da uva, os senhores de engenho resolveram destilar o cagaço para separar as impurezas. Surgia assim a cachaça.. Logo passou a ser consumida nas demais classes sociais e virou moeda corrente, concorrendo com a bagaceira e o vinho de Portugal. Com a queda do comércio de suas bebidas, a corte portuguesa proibiu a produção e o consumo da cachaça. Conhecida  desde o século 16, a  palavra “cachaça, pode ser derivada tanto do castelhano cachaza,, vinho feito na Espanha e Portugal a partir da borra da uva, ou da garapa azeda, tomada pelos escravos (a cagaça), ou da aguardente (fermentado) que era usada para amaciar a carne de  porco (cachaço). Também era conhecida como o “vinho do mel da cana-de-açucar”. Em Minas Gerais já existe curso superior ensinando especificamente a tecnologia para produção da cachaça, - “qui trem bão dimais da conta”. Reforçamos que a bebida pinga deriva da garapa, já a cachaça é preparada a partir do melaço formado na preparação da rapadura/açucar. Nos mais tradicionais alambiques do norte de  Minas Gerais, região Vale do Paraíba-RJ/SP  e no Sul de Minas, normalmente são preparadas cachaças. Também disse que a denominação pinga deve ser usada apenas quando a bebida for resultado da mistura de aguardentes procedentes de vários alambiques, preparo normalmente usado  para obtenção de uma bebida  mais comercial e barata. 

Respeitar o insucesso é tão importante
 quanto celebrar o sucesso. 2005

Prof. Biól. Helcias Bernardo de Pádua
CFBio 00683-01/D - cel. 011.9568.0621
* artigos técnicos em:www.portalbonito.com.br; setorpesqueiro.com.br;
ruralnet.com.br
"nulla dies sine linea"

COLUNISTA

Helcias de Pádua

helcias@portalbonito.com.br

Professor Helcias Bernardo de Pádua, Biólogo-C.F.Bio 00683-01/D; Conferencista em "Qualidade das águas"; Especialista em Biotecnologia-C.R.Bio 01; Analista Clínico - Hosp.Clínicas SP; Professor de Biologia e Ciências-L-94.718-DR 5 - MEC, desde 1975; Consultor, professor e colunista; Memorista-AGMIB/Assoc. Grupo de Mem. do Itaim Bibi/SP; Graduando em Jornalismo/FaPCom

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