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quinta, 26 de agosto de 2010

Aspectos da Pescaria de Anzol

ASPECTOS ECOLÓGICOS E CULTURAIS DA PESCARIA DE ANZOL

Por: Agostinho Carlos Catella

Com a reabertura da pesca após o período de defeso, é oportuno tecer algumas considerações sobre os fenômenos biológicos e culturais relacionados à pesca de anzol, haja vista que este é o único aparelho de captura permitido atualmente no Pantanal para a pesca profissional-artesanal, amadora e de subsistência. Aos pescadores profissionais é ainda facultado utilizar uma pequena tarrafa para a captura de iscas.

Os aparelhos de pesca geralmente são classificados em duas categorias: aparelhos passivos, que são fixos ou estacionários, tais como anzol, espinhel, rede de emalhar e armadilha, e aparelhos ativos, que são móveis como as redes de deriva (rede de lance) e de arrasto e tarrafas. A captura com os aparelhos passivos depende do comportamento ativo dos peixes em relação ao aparelho, o que, no caso do anzol, é induzido e reforçado pelos odores desprendidos pela isca. Ao contrário, nos aparelhos ativos, os peixes são capturados pelo movimento do aparelho, praticamente à revelia de seu comportamento. Assim, o rendimento da pesca de anzol depende da interação entre (I) a disponibilidade de peixes no ambiente, (II) a vulnerabilidade dos peixes à pesca e (III) ao conjunto de decisões dos pescadores.

A disponibilidade de cada espécie de peixe está relacionada à sua abundância e distribuição no ambiente. A abundância, por sua vez, é função da capacidade suporte do ambiente, que corresponde ao tamanho máximo em número de indivíduos de uma população que o ambiente comporta, determinado pela quantidade de recursos disponíveis e pela demanda de cada indivíduo dessa população. A capacidade suporte, para cada espécie, está relacionada à sua estratégia de vida, a qual engloba os seguintes aspectos:

- nível trófico, ou seja, a posição da espécie na cadeia alimentar definida pelo seu tipo de alimentação, de modo que as espécies herbívoras são mais abundantes do que os seus predadores (carnívoros de primeiro nível) e estes são mais abundantes do que os seus respectivos predadores (carnívoros de segundo nível) e assim por diante;
- tipo de reprodução e fecundidade, isto é, espécies que cuidam da prole, como os acarás (família Cichlidae), realizam mais de uma postura anual e apresentam menor fecundidade do que as espécies de piracema, como os curimbatás (Prochilodus lineatus), que não cuidam da prole e investem numa única e maciça reprodução anual, produzindo um número extraordinário de óvulos;
- taxa de crescimento corporal, que varia com o tamanho das espécies, sendo que as de pequeno porte crescem mais rapidamente do que as de grande porte. Porém estas últimas apresentam maior longevidade do que as primeiras;
- tamanho máximo, isto é, há uma grande variação no tamanho que os exemplares adultos das diferentes espécies podem atingir, sendo que as maiores são menos abundantes do que as menores; e
- mortalidade natural, ou seja, as espécies de pequeno porte geralmente apresentam taxa de mortalidade natural muito alta, razão pela qual elas suportam uma elevada pressão de pesca, pois esta ocasiona uma mortalidade adicional por pesca muito pequena, se comparada à sua mortalidade natural, ocorrendo um mecanismo oposto com as espécies de grande porte.

A abundância depende, ainda, da “saúde dos estoques”, que está relacionada ao nível de exploração ao qual eles vêm sendo submetidos historicamente pela pesca na região e à atuação de fatores externos negativos à pesca. Esses fatores conduzem à perda de qualidade ambiental (como o assoreamento dos rios) e à redução ou interrupção de processos ecológicos importantes (como a reprodução), diminuindo a capacidade suporte do ambiente para as diferentes populações de peixes.

A distribuição pode ser definida como a variação espacial e temporal da abundância das populações no ambiente. Ela está relacionada ao ciclo de vida dos peixes, como a segregação espacial dos habitats utilizados pelos indivíduos jovens e adultos, e como os padrões de migrações alimentares e reprodutivas que ocorrem ao longo do ano entre os diferentes ambientes do ecossistema.

A vulnerabilidade das espécies à pesca de anzol pode variar em função de diversos fatores. Ela pode ser reduzida (I) pela dispersão dos peixes durante a cheia, (II) pela diminuição do ritmo alimentar sob temperaturas mais baixas ou nos horários de repouso, (III) durante as migrações reprodutivas ou (IV) quando dispensam cuidados com a prole. Por outro lado, a vulnerabilidade aumenta quando os peixes (I) se concentram no ambiente reduzido durante a estação seca, (II) formam grandes cardumes durante as migrações reprodutivas ou (III) aceleram o ritmo de alimentação nos períodos mais quentes ou nos horários mais propícios do dia.

O conjunto de decisões dos pescadores inclui a escolha da espécie alvo, da isca apropriada e da técnica de pesca. A isca é interpretada pelos peixes como um alimento e para consegui-lo eles realizam comportamentos para detectar, aproximar, selecionar, manipular e então ingerir, juntamente com o anzol. De acordo com alguns autores, os odores exalados pela isca na água são o principal estímulo para o peixe procurá-la. Isto é, como a visibilidade é limitada nesse meio e os alimentos geralmente só podem ser enxergados numa distância curta, de apenas poucos metros, os sentidos químicos (paladar e olfato) desempenham papel importante na localização e ingestão do alimento. Além destes sentidos, muitos peixes dispõem da “linha lateral”, um órgão sensorial que permite detectar os distúrbios naturais da água e aqueles causados por outros animais, incluindo presas potenciais, predadores e membros do cardume. Baseado nessa percepção, o tipo de isca e a técnica de pesca utilizada podem simular o comportamento físico das presas tais como o nado irregular de um peixe doente ou machucado, a queda de uma fruta ou de um inseto na superfície da água, com a finalidade de atrair o peixe ao anzol. Assim, o comportamento do peixe em resposta ao anzol iscado é semelhante ao comportamento desse peixe ao se alimentar.

As decisões dos pescadores incluem, ainda, época do ano, local específico e horário de pesca, sua perícia em ajustar os componentes do petrecho de pesca (caniço ou “linhada”, anzol, linha, chumbada, carretilha, etc.) para a captura das espécies-alvo e sua técnica de pesca (como e onde lançar o anzol, como fisgar, dominar e recolher o peixe ao barco). Algumas das técnicas utilizadas pelos pescadores profissionais-artesanais no Pantanal são decorrentes da observação e da experiência ao longo de muitas gerações, que resultaram no acúmulo de um conhecimento ecológico tradicional, altamente especializado para a região. Para a captura do pacu (Piaractus mesopotamicus), por exemplo, uma das técnicas de pesca consiste em iscar o anzol com uma fruta nativa e lançá-lo seguidamente na água imitando a queda natural da fruta. Outra técnica interessante é aplicada na pescaria do ximburé (Schizodon borelli), um piau que é utilizado como isca para a captura dos grandes bagres. Nessa pescaria, o pescador prepara um atrativo, espetando na ponta de uma varinha um ramo de capim (Paspalum repens). Com uma das mãos o pescador maneja o atrativo dentro d’água, instigando o ximburé, que começa a mordiscá-lo, pois é um peixe herbívoro. Ao mesmo tempo, com a outra mão ele oferece um pequeno anzol iscado com um pedaço macio do talo do capim e retira suavemente o atrativo, fisgando o ximburé.
Valorizando esses conhecimentos tradicionais e a fim de aproximar os setores da pesca profissional-artesanal e turístico pesqueiro, foi realizado em 2006 um projeto de pesquisa na Embrapa Pantanal que testou experimentalmente um roteiro turístico alternativo de um dia, baseado nas atividades rotineiras dos pescadores profissionais da região. Sete pessoas (cinco adultos e duas crianças) - potenciais clientes - foram convidadas a vivenciar o roteiro e a trocar experiências com um pescador profissional-artesanal treinado pelo projeto. Após o passeio, os convidados avaliaram a sua experiência e como os resultados foram bastante positivos, eles serão encaminhados para os setores da pesca a fim de buscar parceiros para a implementação deste roteiro, ainda em nível experimental. O trabalho foi apresentado e bem acolhido no XVII Encontro Brasileiro de Ictiologia realizado na cidade de Itajaí, SC, em janeiro de 2007. Assim, espera-se viabilizar um novo produto a ser oferecido pelo setor turístico pesqueiro, bem como uma nova opção de renda para os pescadores profissionais-artesanais, sem desviá-los de sua atividade principal. Essa é uma experiência que certamente poderá ser replicada em outras regiões do país.

Agostinho Carlos Catella (agostinho@cpap.embrapa.br) é pesquisador da Embrapa Pantanal, Doutor em Biologia de Água Doce e Pesca de Águas Interiores pelo INPA, Manaus, AM.

COLUNISTA

Embrapa Pantanal

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Embrapa Pantanal, Coluna de publicação de artigos da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias do Pantanal.

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